Aqui há uns tempos, dei por mim a seguir dois jovens de classes sociais visivelmente distintas
A conversa deles chamou-me a atenção.
Falavam então dos seus avós.
Ela, a de nível económico mais elevado, queixava-se ao amigo que não tinha paciência para a avó. Não gostava de a visitar e o dinheiro que dela recebia era pouco para as suas necessidades.
O amigo respondeu-lhe que receber 100 euros de uma avó todos os meses era um grande presente e que poucos tinham essa possibilidade. No caso dele, o avô não lhe dava dinheiro nenhum, mas recebia-o todas as semanas para um lanche saboroso, cheio de todas as coisas de que ele mais gostava e mil e uma histórias. Sempre as mesmas, contava o rapaz à amiga, sorrindo, deixando transparecer toda a ternura na sua voz. Ele não se importava de as ouvir, pois sabia a importância que tinham para o seu avô. Naqueles momentos, junto àquela mesa farta e transbordante de afeto, o rapaz acompanhava com generosidade o seu avô numa viagem por tempos felizes e saudosos para ele.
Reparei que a amiga ficou silenciosa. O passo dela abrandou. Senti nas suas costas a tristeza da sua alma.
Num primeiro olhar, poderíamos dizer que a rapariga era ingrata, mimada, egoísta. Provavelmente o leitor já a catalogou. Porque nós temos essa necessidade, de classificar as pessoas entre boas e más. Certo e errado.
Mas aqui, fica o convite para um outro olhar. Não será esta questão bem mais complexa? Não será este exemplo um reflexo do que acontece hoje na nossa sociedade? Todos precisamos de amor, sem exceção. Mas nem todos sabemos expressa-lo da melhor forma. E depois sentimo-nos injustiçados, descompensados. Vazios. Nunca houve tanto voluntariado como agora. Tantas pessoas a querer ajudar outras pessoas. E, no entanto, tanta solidão interior. Tanto coração ferido.
Esta avó seguramente que amava a neta. E a forma que ela conhecia de o demonstrar, era através do dinheiro. E a neta, por seu lado, de tão zangada que estava, respondia como sabia. Então o dinheiro comprava uma paz que não existia. Um amor que não circulava. E um espaço impossível de ocupar.
Acredito que aquela avó sofra com a dificuldade que sente em chegar à neta. Visto de fora, parece tão óbvio. Amar é abraçar. Compreender. Escutar. Partilhar. Sorrir. Estar lá. Mas também exige disponibilidade. Vulnerabilidade. Expressão de sentimentos. Sacrifício. E é precisamente aí que residem a maior parte das divergências. Sacrificarmo-nos por alguém exige muito amor. E o amor a este nível tem de ser construído. Se não, damos o que não temos. Ou simplesmente não damos, porque no espaço onde deveria haver amor, existe ressentimento. Não está certo, nem errado. Há sim uma necessidade de cura da forma como o amor se arrumou em nós. Isso exige tempo, compaixão, aceitação. Fé. Receber é tão bonito como dar. Um coração reconhece e abraça outro coração.
O avô do rapaz está a criar nele uma estrutura de afetos que o vai fortalecer para o resto da vida. E só um amor assim, generoso e construtivo, cria espaço interior para o reconhecimento que aqui se manifesta na paciência para ouvir as mesmas histórias repetidas até à exaustão. E isso não tem preço.
Não podemos mudar a forma como nos amam os nossos pais, avós. Mas podemos tentar compreender que a intenção está lá. E é essa que devemos aninhar no nosso coração, com toda a compaixão que formos capazes. Depois, tentemos nós mudar a história. Abrir o coração para dar, mas também para receber. É na partilha que crescemos. E é nesse amor ramificado que podemos mudar o Mundo.