Deixei escapar a pergunta, como se ela tivesse vida própria. Ou talvez porque o seu olhar brilhante e nostálgico precisasse de um desfecho que lhe apaziguasse a dor de ter sido imensamente feliz.
Bastou uma semana para que Ana mudasse a sua vida. Conheceu Gustav numa festa de trabalho. Belga, engenheiro, estava de passagem por aqui. E por aquelas coisas que não se explicam, calhou cruzarem-se entre um prato e outro.
E não se largaram mais. No dia seguinte, ela levou-o a conhecer a cidade.
E no final desse mesmo dia, ele pediu-a em casamento. E ela disse que sim!
Em 6 meses, estava a viver em Bruxelas, tinha arranjado trabalho e mudado radicalmente a sua vida. Gustav adorava-a e tudo fazia para que ela se sentisse em casa. Não conseguiram ter filhos, pelo que a casa grande, pronta a acolher amigos e família, era um bálsamo para Ana.
Ana era uma pessoa de afetos e gostava de os cultivar. Gustav era um solitário, sem solo e bastava-lhe Ana no seu mundo. E foi este o ponto que lenta e subtilmente, foi mudando a história.
Quando Ana me procurou, Gustav já tinha partido.
Contou-me que antes da doença, ou talvez por sintomas que ela acreditava serem possíveis, começou a receber mal as visitas que Ana sempre tinha. Era indelicado quando Ana não estava a ver, deixando-a espantada quando os amigos saiam mais cedo e não mais lhe atendiam o telefone. Muito poucos estavam com ela quando o mundo caiu, ao ter sido diagnosticado com uma doença do foro psiquiátrico. Gustav começou a perder os filtros, tornou-se obsessivo e imensamente ciumento. Ana estava cada vez mais isolada.
Acabou por partir em dois anos, não sem antes lhe pedir desculpa. Nos últimos tempos, mesmo frágil, Gustav voltou a ser o homem por quem se tinha apaixonado. Diz ela, como um presente de Deus, para que o seu coração encontrasse uma forma de se arrumar.
“Sim, valeu a pena!”, respondeu com voz tranquila. “Conheci o verdadeiro amor. Tudo o resto, foi o egoísmo de quem estava desconfortável consigo mesmo. Talvez a ciência não concorde, mas o meu coração sabe”.
“Em que posso ajudar?” Perguntei..
“Já ajudou. Com a sua pergunta.”Com esta mulher incrível aprendi que os limites do amor estão nas prioridades que escolhemos sublinhar. Também assim descobriu quem eram os seus verdadeiros amigos. Afinal, acabou por se encontrar a meio caminho entre o amor e a dor.